A tarde de 19 de abril começou com uma reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias. Horas mais tarde, o militar entregou ao petista a carta de demissão em um gesto que marcou a primeira queda de ministro desde o início do mandato. Aquele era o centésimo primeiro dia após a intentona golpista germinada nas invasões aos edifícios dos Três Poderes, em Brasília, e imagens do circuito de segurança do palácio acarretaram a saída de Gonçalves Dias. O general caiu depois que circularam imagens nas quais ele aparece caminhando pelo terceiro andar do prédio, onde fica o gabinete presidencial, durante a invasão e indicando a saída de emergência para os vândalos.
A presença de Gonçalves Dias e de outros agentes do GSI no Planalto em meio à onda de depredações expôs falhas no Plano Escudo, o protocolo de proteção dos palácios presidenciais. A segurança interna cabia ao Gabinete de Segurança Institucional, mas, à Polícia Militar do Distrito Federal estava reservada a obrigação de garantir o cerco aos manifestantes na chegada à sede da presidência da República. Entretanto, os policiais não estavam ali e os vinte oficiais do GSI postados no estacionamento do palácio não bastaram para reprimir os vândalos, que permaneceram por três horas no edifício.
A depredação gerou prejuízo de R$ 4 milhões aos cofres públicos, segundo relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que se debruçou sobre os atos antidemocráticos do 8 de Janeiro e pediu o indiciamento de 61 pessoas. O último balanço do Palácio do Planalto, de sexta-feira (5), assinalava prejuízo de R$ 297 mil em estragos estruturais — vidraçaria, divisórias, peças sanitárias e tampos de mármore entre eles. O gasto com a restauração das peças artísticas danificadas ainda é incalculável. O valor de mercado das obras é de cerca de R$ 40 milhões, e elas começam a ser restauradas apenas neste ano de 2024. Entre as peças estão a pintura As Mulatas, de Di Cavalcanti, perfurada pelos criminosos, e o relógio Martinot do século XVII — único exemplar no mundo. Essa peça foi um presente da corte francesa a Dom João VI e será restaurada graças a um acordo entre Brasil e Suíça.
Caminho aberto para os vândalos: com os gradis no chão, eles sobem a rampa e atacam o Palácio do Planalto
O prédio que abriga o gabinete do presidente da República foi o segundo símbolo democrático atacado no 8 de Janeiro. Assim que os manifestantes romperam a barreira de contenção da Polícia Militar, na Alameda dos Estados, às 14h43, parte do grupo seguiu em direção à área interna do Congresso Nacional, e o restante se dividiu em duas células: uma se dirigiu ao Palácio do Planalto e outra ao Supremo Tribunal Federal (STF). Essa aglomeração direcionada à sede da presidência da República rompeu, às 15h10, o bloqueio em frente ao Palácio da Justiça, a sede do Ministério da Justiça. E, dez minutos depois, subiu a rampa onde o presidente Lula desfilava na cerimônia de posse uma semana antes. Para entrar no prédio, os criminosos destruíram vidraças.
A rampa desemboca no primeiro andar do edifício e ali começou a destruição: grupo atirou móveis na Praça dos Três Poderes, rasgaram fotografias e furaram o painel As Mulatas, de Di Cavalcanti. A obra do pintor modernista é avaliada entre R$ 8 milhões e R$ 20 milhões no mercado de arte. Ainda no pavimento, alguns vândalos pararam para carregar os celulares e beber água. Outros, entretanto, seguiram em direção ao térreo e aos outros andares. Pela escada interna, os criminosos alcançaram o último pavimento do palácio, o andar que abriga o gabinete presidencial. Ali, um homem arrombou a antessala do gabinete que, entretanto, permaneceu intacto. Nos corredores, os golpistas arranharam o mobiliário e tentaram incendiar o edifício. Também no terceiro andar, eles arremessaram no chão o relógio Martinot. A peça data do século XVII. O reforço para retirar os manifestantes do prédio chegou às 17h.
Restauro das obras de arte e do mobiliário histórico começa em 2024, e valor ainda é desconhecido
Treze peças de valor inestimável avariadas no 8 de Janeiro começam a ser restauradas neste ano, segundo antecipou o Palácio do Planalto. Os processos caberão à Universidade Federal de Pelotas (UFPel) após um Acordo de Cooperação Técnica firmado com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); a exceção é o relógio Martinot, que será restaurado na Suíça. As obras que serão reparadas são as seguintes:
- Pintura sobre tela “As Mulatas”, de Emiliano Di Cavalcanti;
- Escultura em bronze “O Flautista”, de Bruno Giorgi;
- Escultura em madeira, de Frans Krajcberg;
- Relógio histórico, de Balthazar Martinot;
- Pintura sobre madeira “Bandeira”, de Jorge Eduardo;
- Escultura de ferro, de Amilcar de Castro;
- Mesa imperial em madeira;
- Marquesa em metal e palha, de Anna Maria Niemeyer;
- Retrato de autoria não identificada;
- Ânfora portuguesa em cerâmica esmaltada;
- Mesa-vitrine, de Sérgio Rodrigues;
- Pintura abstrata de autoria não identificada;
- Pintura de batalha de autoria não identificada.