Uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) discutiu nesta terça-feira (15) sobre a condição de pessoas em situação de rua, especialmente as que fazem uso de substâncias ilícitas e álcool, na capital mineira.
Ao longo da reunião, o projeto de lei 174/2025, protocolado na última segunda-feira (14), foi alvo de críticas. O texto, de autoria do vereador Braulio Lara (Novo), prevê a regulamentação de internações voluntárias e involuntárias de dependentes químicos em BH.
Quem falou ao microfone da Câmara, classificou o PL como uma tentativa higienista de “limpar” a cidade de pessoas em situação de rua e também de impedir o livre arbítrio.
Inconstitucional
A presidente da comissão, vereadora Juhlia Santos (PSOL), foi uma das que considerou a proposta como inconstitucional e acusou o projeto de enxergar a saúde pública e outros temas como um “negócio” em Belo Horizonte. “Não me assusta vir de quem está propondo, quem entende a cidade como um mercado e não como um espaço de pessoas”, afirmou.
O texto também foi visto como inconstitucional por Júnia Roman Carvalho, da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), que indicou que o projeto não poderia passar pela Comissão de Legislação e Justiça por ir contra um protocolo do Supremo Tribunal Federal (STF).
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (APDF) 976, publicada em 2023 pelo Supremo, estabelece diretrizes essenciais para a proteção e garantia de direitos das pessoas em situação de rua.
— disse a defensora pública.
Representantes de movimentos sociais também usaram o microfone da Câmara para criticar o vereador
A Alessandra Martins, integrante Movimento Nacional da População em Situação de Rua (PSR), é agente social e viveu nas ruas por vinte anos. Na audiência, ela alertou Braulio Lara ser mais empático na hora de protocolar projetos na Casa e voltar “as energias” para ideias que sejam voltadas para garantir o acesso à moradia, a alimentação, cultura e lazer. “Quando ele estiver inspirado, que se inspire para construir projetos que irão sanar e cuidar, não que irão acabar de destruir quem já está destruído”,
O Rafael Roberto Fonseca da Silva, também membro do PSR, criticou a falta de mobilização de simpatizantes da causa e convidou o vereador a ir passar um dia nas ruas. “Queria convidá-lo para ficar um dia em baixo do viaduto com a população em situação de rua. Queria ver a reação dele, quem sabe assim ele muda um pouco o pensamento… Hoje em dia não fazemos mais luta, ficamos nesta Casa apenas resistindo”, declarou.
Ainda de acordo com ele, o texto protocolado representa uma tentativa de ferir os direitos humanos. “Passei por sete casas de internação e nenhuma me consertou. Sabem o motivo? Pois isolar uma pessoa do convívio social, de uma dependência química, é muito cômodo”, disse.
‘Fatiamento’ de projetos
A presidente da Comissão acusou Braulio Lara de tentar “fatiar” projetos que já haviam sidos rejeitados na Câmara anteriormente. Um desses textos seria o PL 340, que tramitou na CMBH em 2022, mas foi retirado de pauta.
A proposta, que também tem autoria de Braulio com outros parlamentares, previa o direito à reinserção social através de programas alimentares, de moradia e de capacitação para inclusão no mercado de trabalho.
Outro projeto semelhante — que ainda tramita na Casa — também foi citado. O PL 173, de 2025, propõe a desobstrução de vias públicas e passeios em Belo Horizonte para garantir a livre circulação de pedestres e veículos.
Para parte da comissão, o texto representa uma tentativa velada de impedir o trânsito da população em situação de rua.
A vereadora Juhlia Santos disse que é importante que o poder Legislativo chame a prefeitura, os secretários de Saúde, Danilo Borges, de Assistência Social e Direitos Humanos, André Reis, e também de Segurança e Prevenção, Márcio Lobato, para que possa ser feito um “grupo de trabalho interseccional” que pense em estratégias coletivas para o tema na capital mineira. “É um chamado para acordarmos e entendermos que a retirada de direitos está começando por um grupo específico, mas vai atingir, futuramente, uma grande maioria”, disse a presidente da Comissão.
Autor do projeto alega que apenas “disse a verdade”
Nas redes sociais, Braulio se defendeu, alegando que apenas “disse a verdade”. De acordo com ele, já existe uma “cracolândia” nas ruas de BH e que a situação “nunca foi tão grave” quanto agora. “O objetivo do nosso projeto de lei é trazer a internação involuntária como uma alternativa de solução. Não seremos omissos, vendo a situação piorar e a cidade se degradar”, escreveu em uma publicação.
Para a Itatiaia, o vereador alegou que o projeto traz uma solução para um “problema real”. “A população de rua aumentou 50% em 7 anos, e grande parte desse grupo é formado por dependentes químicos, que precisam de ajuda para superar o vício. Os ataques ao projeto são feitos por um grupo político que defende a manutenção da indústria da miséria”, disse.
Ele continua dizendo que é “importante investir em políticas públicas para a reestruturação dos sistemas de apoio” à quem está em situação de vulnerabilidade. “Morar na rua não é normal. Superar o vício é o primeiro passo para alcançar o emprego, e por meio dele, recuperar a dignidade”, declarou.
Pessoas estão em situação de rua
No Brasil, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estima que são cerca de 261.653 pessoas em situação de rua, sendo Minas Gerais o terceiro estado com o maior número, atrás apenas de Rio de Janeiro e São Paulo.
BH é a terceira capital com mais pessoas em situação de rua. São, aproximadamente, 14.454 pessoas em situação de rua. Os dados da UFMG indicam que, na capital mineira, a proporção é de seis moradores de rua a cada mil habitantes.